quarta-feira, 16 de julho de 2008

A Trupe



Caminhava na estrada. Sozinha. Os pés descalços e já bem calejados, as roupas sujas... O que mais dava pena era o semblante: um misto de cansaço com tristeza gravado naquela face de menina. Fazia sinal para que os poucos carros que apareciam (quem gostava de passar naquela estrada de terra quando a modernidade trouxe novos caminhos asfaltados?) mas nenhum deles se compadecia justamente pela cara suja dela.


O sol estava no seu ápice, ela não aguentou mais. Sentou-se em uma pedra enorme no acostamento e pôs-se a contar os carros que passavam para ocupar a mente. Em meio a toda a dificuldade ela conseguiu encontrar diversão, pois quando cansou de contar apenas os carros decidiu inventar histórias para cada um deles. Eram poucos e passavam espaçadamente, teria tempo de criar muitos detalhes.

Um deles, um carro grande, ela concluiu que por trás do vidro fumê existia uma família igualmente grande. Pais, trigêmeos meninos e uma confusão pela impaciência das crianças com o tempo da viagem. Riu sozinha pensando no momento da chegada ao destino - que em sua imaginação seria a casa da avó - e a corrida dos meninos pela grama até os braços de uma doce velhinha de cabelos brancos que os esperaria com abraços e muitas histórias para contar. Ela gostaria muito de abraços, de quem que fosse... Pensar nisso a deixou triste novamente e ela decidiu parar de pensar nessas coisas. Voltou a olhar para os próprios pés.

Seu transe foi interrompido pelo som de risadas ao longe... Estaria ficando louca? Olhou para a estrada e sentiu o coração bater mais forte. Chegava uma caminhonete aberta atrás, pintada com tantas cores que parecia o próprio arco-íris, mas o mais impressionante eram os seus ocupantes. Palhaços, muitos e de todos os jeitos, fadas, bonecas de pano, todos vivos e cantando sem parar. Os olhos da menina brilhavam com tantas cores e movimento surgidos do nada e ela desejou que aquele carro, justamente aquele, parasse para ela.

Levantou rápido para correr e tentar a sorte mas com a excitação levou um tombo e caiu no chão. Quando já preparava-se para levantar e não desistir (ela correria atrás daquele carro por todo o caminho se fosse necessário!) viu que uma mão delicada a ajudava a levantar-se. Eles haviam parado sem que ela pedisse e estavam todos ao seu redor! Olhou para o rosto da fada que a ajudara e não conseguiu conter o impulso de dar-lhe um abraço. O primeiro depois de muito tempo sem carinho. Ela retribuiu com tanto amor que este ato já deixaria a menina feliz por dias, mas foi ainda melhor: todos a abraçaram ao mesmo tempo, e ela chorou de felicidade em meio a todas aquelas criaturas mágicas que emanavam tanto amor. Quando a soltaram, a menina ficou impressionada pois viu que ela mesma havia se transformado em uma boneca, nunca havia se visto tão linda! Agora ela sabia o porquê do desespero em segui-los, ela fazia parte daquela Trupe.

Um minuto depois estava na caçamba da caminhonete junto com todos os outros, rindo como nem lembrava que sabia fazer. Um palhaço a chamou para sentar-se junto com ele e lhe deu as boas vindas. O carro começou a se mover e ela deu adeus para aquela estrada antes de pegar a mão do palhaço e sentir que todos sumiram no horizonte para algum lugar que ela estava louca para conhecer.