sábado, 23 de agosto de 2008

O poema preferido




Si el sueño fuera (como dicen)
una tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?

¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?

[El sueño , Jorge Luis Borges]



Este é o meu poema preferido faz muito tempo. Ele já esteve presente milhares de vezes no meu profile do orkut, nos meus blogs, nos meus nicks de msn... Na minha mente, no meu coração. Esse fato faz com que ele mereça um post, não é? Pois bem, aqui está.

Agora vem a pergunta de 1 milhão de dólares: porque ele?

Bueno, talvez a pergunta que o Borges faz me intrigue demais. ¿Quién serás esta noche en el oscuro sueño, del otro lado de su muro? Todas as noites, nos meus sombrios sonhos há uma transformação. Algo silencioso, velado, que faz com que na manhã seguinte eu acorde outra pessoa. Todo dia uma diferente. Não, eu não tenho múltipla personalidade, é apenas uma questão de... crescimento pessoal? Adaptação ao meio? Sobrevivência? Eu fico com todas as alternativas anteriores e ainda acrescento o fato de que ser a mesma pessoa pra sempre é chato demais, insuportável demais. Densidade me atrai. Não aquela triste, amarga, que te puxa pra um buraco... Aquela intensa e ao mesmo tempo leve, que faz com que tudo que se viva seja feito com paixão, visceralmente. "Põe quanto és no mínimo que fazes" (Ah, Fernando Pessoa!). E para isso tudo eu tenho que sempre cultivar a minha capacidade de sonhar... Sonhar com o que eu quero pra mim, com todas as coisas maravilhosas que eu tenho, com as que eu quero que as pessoas que eu amo tenham. Passar a noite num universo alternativo, deitada em um campo de lavanda pensando no que eu quero pra mim quando acordar, na pessoa que eu quero ser.

E é isso que importa.

"E se você fecha o olho
A menina ainda dança
Dentro da menina
Ainda dança
Até o sol raiar
Até o sol raiar
Até dentro de você nascer
Nascer o que há"

[Marisa Monte]

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

SUGESTÕES PARA ATRAVESSAR AGOSTO



(Caio Fernando Abreu)

Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro- e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco.É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante:ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir,dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus,
fica a suspeita de sinistros angúrios , premonições.Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem:qualquer problema , real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos- ou precauções-úteis a todos. O mais difícil:evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade...Esquecê-lo tão
completamente quanto possível(santo ZAP!):FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.
Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se avida não deu, ou ele partiu- sem o menor pudor, invente um.Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o
seu dentista. emoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros,
juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se , e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques-tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire , a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas- coisas assim são eficientíssimas, pouco me
importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.
Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente nãose deter de mais no tema. Mudar de assunto,digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:.

(crônica escrita em AGOSTO de 1995, O ESTADO DE SÃO PAULO)